O que é?
Para muitos o fado é simplesmente entendido como destino, fazendo jus ao Padre Raphael Bluteau, clérigo regular da Ordem de São Caetano e autor do Vocabulário Portuguez e Latino, para quem o fado é a disposição e a providência divina que antevê os acontecimentos humanos e a Moraes que entende o Fado como a ordenança que se vê em as coisas por divina providência.
Os portugueses são caracterizados desde sempre pelo fatalismo, utilizando como justificação dos seus azares e sortes a imposição do destino = Fado, daí que só por volta de 1904 o Fado, no sentido de canção popular portuguesa que fala das agruras do destino, se tenha manifestado.
O fado é um estilo musical tipicamente português cantado por um fadista e acompanhado pela guitarra portuguesa e guitarra clássica, viola ou violão.
O fado exprime a alma nacional através do sonho, da sombra, do amor, do ciúme, da ausência, da saudade e da conformação com o cru e negro destino. Nas palavras do escritor Rocha Peixoto “O fado é português, é toda uma mentalidade, é toda uma história”. O acompanhamento é triste fazendo jus à alma do povo, à sua ingenuidade e ao seu sofrer e amargura e reveste-se de uma ironia que realça o azedume.
O fado celebra as desgraças de um indivíduo ou classe, por vezes fala de algum tema alegre ou malicioso e associa-se à ideia de folga na taberna, merenda nas hortas, passeio ao luar em que a guitarra vai tocando e em que o povo desfruta de uns breves longos e dolentes momentos de felicidade.
Origem do Fado
A origem do fado é incógnita, existindo várias teorias, como:
- O fado tem origem árabe de uma degeneração da canção dos xaques ou ciganos chamada xúcara (canção).
- O fado tem influências brasileiras das chamadas modinhas muito presentes em Portugal nos séculos XVIII e XIX.
- O fado surgiu no mar na voz de marinheiros
- Nasce em Lisboa espontaneamente após a primeira metade do século XIX e expande-se para as províncias como uma nova moda.
O erudito professor Ernesto Vieira ajuda-nos a confirmar e refutar estas hipóteses no seu Dicionário musical, em que diz: o fado apenas é conhecido em Lisboa pois em Coimbra foi levado pelos estudantes, não sendo cantado no resto do país, nomeadamente pelos camponeses; o Fado é desconhecido pela gente do campo e províncias do sul (onde os árabes se conservaram mais tempo, tendo por isso assimilado muitos dos seus costumes e tradições) o que quase excluí a hipótese de essa ser a sua origem e ainda a poesia com que se canta ao fado é uma quadra em décimas que não tem relação com o árabe e Não há referência em livros ou escritores ao fado antes do século XIX.
História do Fado
No século XVI foram comuns as canções que lastimavam a derrota em Alcácer Quibir a que Miguel leitão de Andrade chamou de romance, que depois de 1840 foram apelidadas de Fado.
Em finais do século XVIII e primeira metade do século XIX o estilo vigente era as modinhas (estilo de composição portuguesa com influencias brasileiras) e nem sinal havia do Fado, nem em Coimbra pois outras canções eram cantadas pelos estudantes.
Nenhuns dos poetas destes séculos aceitaram o fado como canção.
Os estrangeiros que quando vinham a Lisboa ouviam essas árias fúnebres acompanhadas de guitarra não sabiam o que lhes chamar pois ainda não tinham designação. Após 1840 as canções melancólicas e doloridas já eram apelidadas pelos estrangeiros de fados. O fadista em 1849 era o indivíduo que bebia vinho na taberna, usando do calão e o traje da sua classe. Nas ruas, tabernas e bordéis o fado parecia nascer, nas palavras de Alberto Pimentel, como “nascem certas flores nos charcos”.
O vocábulo fado como canção só após a primeira metade do século XIX é que apareceu nos dicionários. Aparece-nos no dicionário Lacerda: em 1874 como cantiga e dança popular, muito característica e pouco decente: o de Lisboa, o de Coimbra, em 1879 aparece-nos em vez de Coimbra Cascais, devido à praia de Cascais estar mais perto de Lisboa e ter recebido o Fado por contacto directo através dos marialvas e fadistas da capital e ainda Coimbra recebeu-o mais vagarosamente através de um ou outro estudante em gerações sucessivas.
Só em 1878 é que nos aparece uma definição mais viável em que se define o Fado como “poema do vulgo, de carácter narrativo, em que se narra uma história real ou imaginária de desenlace triste, ou se descrevem os males, a vida de uma certa classe, como no fado do marujo, da freira, etc. Música popular, com um ritmo e movimento particular, que se toca ordinariamente na guitarra e tem por letra os poemas chamados fados”.
Em 1896, Madame Adam, escritora francesa, fez referência no seu livro La pratrie portugaise aos jovens guitarristas que em grupos cantavam e acompanhavam o Fado e disse haver Fados para todos os acontecimentos da vida, desde o amor à política.
Por esta altura já os escritores actuais estrangeiros e nacionais reconhecem o Fado como canção e os mesmos [fados] são vendidos em folhetos com gravuras toscas (fazendo referencia a grandes crimes e acontecimentos) e que depois se apregoam nas ruas.
O fado neste século deixa de se limitar aos versos populares e surge-nos versos mais elaborados (décimas, quintilhas, sextilhas, alexandrinos e decassílabos), o fado transforma-se num estilo musical mais literário e artístico.
Foi Lisboa que exportou o Fado para as províncias ultramarinas, surgindo fados como o de Loanda.
Nesta época destacou-se José Doria na guitarra clássica e João de Deus na guitarra portuguesa.
No século XX vive-se em plena censura no regime salazarista e uma licença era exigida aos fadistas e instrumentistas e as letras e os poemas eram sujeitos a uma censura rigorosa.
O século XX é a época de ouro do fado, este é projectado para o grande público, o fadista deixa de se limitar às tabernas e vielas e surge nos palcos do teatro, no cinema, na rádio e em discos, saltando para o teatro de Revista. Aparece-nos as chamadas Casa de fados e o fadista passa a ser considerado artista profissional, com estilo próprio e boa aparência, trajado de negro como a escuridão da noite silenciosa. Este novo meio é propício ao aparecimento de letristas, compositores e intérpretes.
Na primeira metade do século XX aparece-nos Ercília Costa a primeira fadista portuguesa de projecção internacional apelidada de "Sereia peregrina do Fado", "Santa do Fado" e "Toutinegra do Fado”.
Empurrado para as luzes da ribalta pelo cinema, rádio e mais tarde televisão, o Fado, era adorado por todos, não havendo quase português que não o ouvisse. Ainda há pouco cantado nas tabernas e nos pátios dos bairros populares, como Alfama, Castelo, Mouraria, Bairro Alto, Madragoa, torna-se a alma portuguesa.
É neste século na década de 50 que surge Amália Rodrigues, conhecida nacional e internacionalmente como a maior fadista de todos os tempos e pioneira do fado moderno.
Anos 60 e 70
Até ao 25 de Abril o Fado era a alma nacional, a canção do momento que representava as tristezas e angústias da alma portuguesa e a sua queda para o fatalismo. Quando se deu o 25 de Abril de 1974 aparecem-nos as canções de intervenção que ao invés do fatalismo apelavam à esperança de um povo oprimido e crença na liberdade e estas tiveram uma adesão imediata por parte da população, surgindo-nos personalidades como Adriano Correia de Oliveira, José Afonso mais conhecido como Zeca Afonso, Luís Cília, Manuel Freire, José Mário Branco, José Barata Moura, Sérgio Godinho, Carlos Alberto Moniz, Maria do Amparo, Teresa Paula Brito, Fausto, Carlos Paredes e muitos outros e o fado é marginalizado, é posto à margem, afastado, é retirado do pedestal e é um pouco desvalorizado para dar lugar às canções que exaltam a esperança e anseiam pela liberdade, que eram cantadas tanto pelos cantores e fadistas de Lisboa como em Coimbra.
O Fado de Coimbra
O Fado de Coimbra está directamente relacionado com a Universidade de Coimbra, sendo que é cantado por universitários do sexo masculino devidamente trajados com batina, calças e capa preta. É normalmente cantado à noite em praças e ruas da cidade, sendo os locais mais conhecidos as escadarias do Mosteiro de Santa Cruz e da Sé Velha. Os temas prendem-se com o amor, realizando-se serenatas junto à janela da casa da dama que se quer conquistar, com a afeição à cidade e com o findar de um ciclo que é a despedida da Universidade. No fado de Coimbra destacam-se personalidades como Edmundo Bettencourt, António Menano, Armando Goes e o oriundo de Viseu e estudante universitário, Augusto Hilário, cujo estilo ficou eternizado como Fado Hilário. Foi Artur Paredes que através da afinação e acompanhamento revolucionou o Fado de Coimbra dando uma versatilidade à guitarra portuguesa que a tornou conhecida mundialmente.
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